Moçambique: Declaração ao Final da Visita do Corpo Técnico
A economia moçambicana está a recuperar de uma forte contracção, após vários anos de choques económicos
Uma recuperação modesta, mas de base alargada está a firmar-se em 2021
Uma equipe do Fundo Monetário Internacional (FMI) liderada pelo Sr. Alvaro Piris conduziu discussões virtuais sobre o país no contexto da Consulta do Artigo IV de 2021 com Moçambique, a qual terminou em 16 de dezembro de 2021.
No final da missão, o Sr. Piris emitiu a seguinte declaração:
“ A economia moçambicana está a recuperar de uma forte contracção, após vários anos de choques económicos . Embora as autoridades tenham feito face, com prudência e êxito, aos desafios colocados pela COVID e relacionados com a segurança, incluindo com o apoio internacional, o financiamento concessional declinou, e a dívida pública elevada e as grandes limitações de financiamento devem ser resolvidas através de medidas fiscais. A postura monetária restritiva tem contribuído para manter a inflação sob controlo e preservar a estabilidade macroeconómica, mas limita o crescimento do crédito e o âmbito da facilitação do ajustamento económico por via da taxa de câmbio. A redução das necessidades fiscais de financiamento através de um ajustamento moderado que não dificulte a recuperação, contribuirá para colocar a dívida numa trajectória firme descendente e permitirá um melhor equilíbrio de políticas.
“Uma recuperação modesta, mas de base alargada está a firmar-se em 2021. Após a contracção do PIB real em 2020 – a primeira em 30 anos – o crescimento foi retomado no início de 2021, esperando-se que, no total do ano, atinja 2,2 por cento. O crescimento robusto na agricultura e mineração foi complementado por uma recuperação modesta no sector dos serviços com o aligeiramento das restrições relacionadas com a COVID. Factores sazonais, perturbações na cadeia de oferta e os preços internacionais dos alimentos e dos combustíveis resultaram num aumento da inflação para 6,8 por cento (em termos homólogos) em Novembro que, no entanto, se mantém dentro da meta do Banco de Moçambique de menos de 10 por cento.
“A pandemia da COVID e o conflito e emergência humanitária no norte do país estão a intensificar a fragilidade. As duas grandes vagas de infecções de COVID no primeiro e terceiro trimestres de 2021 despoletaram medidas restritivas de confinamento, baixaram o rendimento e resultaram em perdas de escolaridade, para uma população já de si vulnerável. Os ataques terroristas causaram milhares de mortos e resultaram na deslocação de mais de 800.000 pessoas na província setentrional de Cabo Delgado, com muitas pessoas dessa região a sofrerem de insegurança alimentar.
“As perspectivas de crescimento a longo prazo são determinadas pela produção de GNL, com riscos de baixa. Prevê-se que o crescimento continue a aumentar em 2022, em reflexo de uma recuperação mais ampla da economia não associada ao GNL. A um prazo mais alargado, o crescimento não associado ao GNL está projectado em 4 por cento (valor conservador relativamente às taxas históricas, ligações potenciais ao sector do GNL e dado o potencial de diversificação). O crescimento global aumentará acentuadamente com a entrada em produção dos projectos de GNL, presentemente prevista para 2023 e 2026. Embora, considerando as condições meteorológicas favoráveis e tendo em vista que o desempenho agrícola possa ser melhor que o esperado em 2022, novas vagas de COVID poderão desencadear medidas de confinamento, enquanto os balanços das empresas (incluindo do sector empresarial do Estado) foram enfraquecidos pela crise, reduzindo a capacidade de investimento e, potencialmente, deteriorando a qualidade dos activos financeiros do sector bancário ao longo do tempo. As calamidades naturais e os efeitos das alterações climáticas são vulnerabilidades recorrentes, bem como a deterioração da situação de segurança, que podem atrasar ainda mais, ou fazer parar, os projectos de GNL.
“As pressões fiscais são acentuadas. Embora as autoridades tenham gerido a crise com prudência até ao momento, a dívida elevada e o financiamento reduzido limitam a política fiscal. A receita pública resistiu bem desde o início da pandemia, mas as pressões de despesa intensificaram-se devido à situação de segurança e humanitária no norte do país, à despesa relacionada com a COVID (incluindo a expansão da vacinação), e a uma reforma da remuneração do sector público. As dificuldades económicas das empresas públicas e os passivos contingentes (de cerca de 10 por cento do PIB) decorrentes das dívidas em litígio associadas à Proindicus e à MAM, constituem riscos, e a depreciação da taxa de câmbio pode fazer aumentar a dívida pública e dívida garantida pelo Estado.
“Com pouco financiamento concessional após os pacotes de apoio da COVID em 2020, tem sido grande a dependência do financiamento interno junto da banca. Com a diminuição da procura de títulos governamentais, estão a surgir atrasados internos de despesa. O orçamento de 2022 inclui cortes na despesa, particularmente no investimento financiado internamente, e as autoridades esperam utilizar a alocação de Direitos Especiais de Saque (SDR, sigla em inglês) para financiar actividades fiscais, mas ainda será necessário um financiamento adicional.
“É necessária uma acção decisiva em termos de políticas para manter a dívida numa trajectória sustentável, reduzir as vulnerabilidades e libertar recursos para despesas prioritárias. Com base nas políticas actuais, o saldo orçamental primário (após donativos) só seria alcançado em 2026, quando as receitas do GNL forem mais significativas. Podem obter-se recursos orçamentais adicionais com reformas na política fiscal – nomeadamente das isenções de IVA, tendo o cuidado de minimizar o impacto nas famílias mais vulneráveis – e na administração da receita. Para reequilibrar as despesas no sentido das áreas prioritárias – desafios humanitários e de segurança, saúde, educação, necessidades sociais e de infra-estruturas resilientes – são necessárias poupanças na massa salarial e reformas contínuas na gestão das finanças públicas.
“O Banco de Moçambique manteve uma orientação de política monetária restritiva durante 2021, de modo a preservar a estabilidade macroeconómica. Motivado pelo aumento das expectativas de inflação no final de 2020, o BM aumentou a taxa de referência em 300 pontos de base para 13,25 por cento em Janeiro, mais do que superando os cortes realizados em 2020. Com taxas reais elevadas, as expectativas de inflação permaneceram bem ancoradas apesar das pressões globais sobre os preços, a taxa de câmbio tem sido muito estável, e a dinâmica do crédito tem sido comedida. Cortes nas reservas obrigatórias em Setembro de 2021, possibilitados pela alocação de SDR, levaram a algumas saídas de capital com o aumento dos activos externos líquidos por parte dos bancos, e não resultaram numa melhoria apreciável das condições de crédito.
“Continuam os progressos graduais no sentido da adopção de metas de inflação. Prosseguiram as reformas do quadro operacional da política monetária e uma nova regulamentação permitiu a reabertura do mercado de derivados cambiais em Abril, após uma suspensão de um ano. As alterações à Lei Orgânica do BM reforçarão a independência e as disposições institucionais, mas o progresso tem sido lento no contexto da pandemia. Está em elaboração uma nova lei do mercado cambial, estando a ser finalizada uma nova política de intervenção. À medida que a política fiscal se torna mais restritiva e as pressões de financiamento diminuem, a criação de condições para uma maior flexibilidade apoiaria uma melhor determinação das taxas de câmbio pelo mercado e permitiria um progresso mais rápido no sentido da definição de metas de inflação. Com o tempo, uma taxa de câmbio mais flexível teria um papel a desempenhar como protecção contra choques macroeconómicos – importante num contexto dos grandes rendimentos esperados com origem no GNL. Tal poderia ser alcançado diminuindo o montante de divisas vendidas pelo BM para a compra de combustíveis e do levantamento dos obstáculos regulamentares aos exportadores na venda de divisas.
“Exonerações regulatórias relacionadas à pandemia foram levantadas. Os bancos apresentam posições fortes de capital e liquidez, e o crédito malparado permanece relativamente estável, próximo de 10 por cento. Renúncias aos requisitos de provisionamento para empréstimos reestruturados expiraram em junho de 2021, esperando-se um aumento dos créditos em incumprimento (NPL, sigla em inglês) no curto a médio prazo, incluindo, possivelmente, por via das empresas públicas em dificuldades financeiras. Estão em elaboração regulamentos para a planificação da recuperação e resolução, e a missão encorajou as autoridades a considerarem reformas na hierarquia de credores em casos de insolvência, salvaguardas jurídicas na resolução e financiamento da resolução, para fortalecer ainda mais o quadro de gestão de crises.
“As autoridades estão a concluir as etapas de reforço do quadro de prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao financiamento do terrorismo (AML/CFT, sigla em inglês). Uma avaliação recente do Grupo da África Oriental e Austral contra o Branqueamento de Capitais encontrou deficiências técnicas significativas ao nível da conformidade e implementação. É necessária uma acção imediata para evitar a inclusão na lista cinzenta do FATF (sigla em inglês) no final do período actual de observação, em Junho de 2022. Estão prestes a ser finalizados um plano de acção abrangente, elaborado com o apoio do Banco Mundial, e um projecto de Avaliação Nacional de Riscos. Estão a ser desenvolvidas reformas à lei contra o branqueamento de capitais, incluindo no sentido de permitir a recolha e manutenção de informações actualizadas sobre o beneficiário efectivo. O BM está a desenvolver, com assistência técnica, uma estrutura de supervisão baseada no risco para AML/CFT.
“Desde que bem gerida, a riqueza em recursos naturais pode dar um apoio substancial ao desenvolvimento. Um maior crescimento e a receita fiscal do GNL daria a possibilidade de investimento em saúde, educação e protecção social, adaptação às mudanças climáticas e pagamento da dívida pública. É necessário um amplo consenso em toda a sociedade para decidir sobre prioridades e instituições que equilibrem o investimento com a poupança de recursos para reduzir a dívida, mitigar distorções macroeconómicas decorrentes de grandes fluxos de divisas e volatilidade da receita fiscal, bem como para as gerações futuras. Notando que as primeiras receitas começarão a fluir em 2023, a missão encorajou as autoridades a desenvolverem uma proposta final delineando prioridades e disposições para um fundo soberano, e a ampliarem o debate público em torno da proposta.
“Deve ser mantida a dinâmica das reformas da governação. O Relatório de Diagnóstico sobre Transparência, Governação e Corrupção , do governo, apresenta as principais áreas de política e medidas concretas. Recentemente, foram feitos progressos significativos no reforço do controlo da despesa pública e na modernização da programação orçamental, melhorando a execução orçamental e a gestão de tesouraria. As áreas para reformas futuras incluem uma revisão da lei de probidade pública, a publicação da propriedade efectiva nos pedidos de licença de mineração, publicação da Avaliação de Transparência Fiscal, e implementação das recomendações da Avaliação de Salvaguardas.
“A diversificação económica é um desafio primordial para aumentar a produtividade e evitar a dependência excessiva dos recursos naturais. As autoridades lançaram recentemente a actualização da Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE), solicitando comentários e contributos de um amplo conjunto de intervenientes nacionais e internacionais, incluindo o FMI. Este poderia ser um passo importante no sentido do desenvolvimento do quadro institucional para promover a complexidade económica e a diversificação.
“Começarão em breve discussões sobre o apoio ao programa do governo através de uma Extended Credit Facility (ECF). Um programa apoiado pelo Fundo pode contribuir para aliviar as pressões de financiamento à medida que se afirma a recuperação económica, apoiar a agenda das autoridades de redução da pobreza e restauração do crescimento sustentável e equitativo, contribuindo também para catalisar financiamento adicional para o desenvolvimento. O corpo técnico está pronto para iniciar as negociações no final de janeiro de 2022, de acordo com o calendário preferido pelas autoridades.
“A equipa da missão agradece às autoridades pela sua hospitalidade e discussões produtivas, e manifesta a sua solidariedade com o povo e o governo de Moçambique na resposta à pandemia da COVID e à situação humanitária e de conflito no Norte do país, entre muitos outros desafios.”
Distribuído pelo Grupo APO para International Monetary Fund (IMF).